segunda-feira, 14 de março de 2011

Acontece com frequência

Com a cara de espanto que ele fez, cheguei a pensar que tivesse perguntado qual a posição sexual favorita dos pais dele, ou se ele me daria R$ 100,00. Mas não. Apenas perguntei qual era a história dele, meio tímida, cutucando o braço dele com o meu cotovelo, bem de levinho.
Depois de desfranzir um pouco a testa, demonstrando que o susto inicial estava passando, retrucou: a minha? Claro que a sua. Mas por que a minha? Dando maior entonação à palavra 'minha'.
Pensei rápido que responder à pergunta dele, antes que ele respondesse à minha talvez conquistasse a confiança dele e o fizesse ficar mais a vontade. Por isso inverti as regras do jogo e falei: por que sim. Com a exata sinceridade e cara de uma criança de oito anos de idade.
Agora você, sua vez. Não era um dia frio, nem quente. Não tínhamos aquela pressa de correr para um ambiente mais agradável. Estávamos ali presos num fila de banco, cada qual com as suas respectivas contas, e claro, isso gerava um certo desconforto, mas não o mesmo desconforto de estar sob o sol de 45º graus do Rio de Janeiro. Pensa comigo, não é melhor perguntar isso, ao invés de comentar a infelicidade de uma segunda-feira, ou ainda das catástrofes do Japão – que só de pensar já me dão uma dorzinha na barriga de pena e medo, ou ainda, comentar sobre as velhinhas e grávidas que passam na nossa frente e, juro que não é paranoia minha, ficam com esse risinho debochado nos olhando enquanto são atendidas? Eu sei, nem todo mundo diz isso, mas todo mundo pensa.
Enfim, perguntei de novo: Você-pode me-dizer-qual-é-a-sua-história? Eu não vou te sequestrar, nem passar trotes para sua casa, nem persegui-lo no meio da noite. Só pergunto por que vi você aqui na fila, que nem eu, gostei da cor da sua mochila, e me perguntei se você daria o nome do seu cachorro de Alfredo... Aí achei melhor perguntar de cara: Qual a sua... Luiz, meu nome é Luiz. Mas veja só, e eu achando que você se chamava Pedro ou Bruno, algum nome com mais cara da nossa geração. Eu realmente, não sei o que você quer saber de mim... Essas coisas que contam em biografias, se você gosta de bobó de camarão, se você já ganhou alguma medalha, o que você queria ser quando criança, onde estudou...
Com a fila andando, um centímetro a cada vinte minutos, daria tempo de ouvir tudo isso, mas ele encurtou com: Ah sou uma pessoa normal, e continuo: minha vida não tem muita graça. E qual o seu sonho? Sonhos como ganhar na Mega-Sena? Não, sonho, tipo, objetivo de vida, realização profissional-pessoal. Sei lá, nunca pensei muito nisso. Só vim aqui para pagar a minha conta de luz atrasada e você me vem com esse monte de perguntas.
Tá, diga uma palavra que te define. Eu já disse, Luiz. Ai, isso eu já sei, se quisesse que você respondesse isso tinha perguntado qual seu nome... Nesse momento, outro caixa foi aberto. Finalmente, ele disse, Finalmente, eu também falei. Chega a vez dele, ele paga a conta, chega a minha vez, pago também. Ele sai do banco. Eu também. Eu levanto a mão acenando. Ele, meio tímido e educado se despede da mesma maneira, sorrindo.
Pego o caderninho e a caneta na minha mochila e começo a escrever. Luiz, 27 anos, trabalha e estuda, adora ler e ir ao cinema. Anda de bicicleta na orla sempre quando pode. Gosta de Samba, Chopp e Rock. Museu e teatro são seus programas de final de semana favoritos. Bloqueio. Não consigo escrever mais nada. Fecho o caderninho e devolvo-o à bolsa. Podia ter sido uma história de amor.